Lucas Henrique A. Costa

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O “Poker” Tumoral: a trinca de Ases com dias contados?

SBI - Sociedade Brasileira de Imunologia

Com certeza uma trinca de ases na mão pode ser considerada como rodada ganha em qualquer campeonato de poker que se assista. É sabido também que a probabilidade de se repetir essa mesma mão, em uma partida honesta, é quase nula! Mas ainda sim, se repetida, é vitória na certa! Pois bem, nessa mesma linha de raciocínio é que os tumores se utilizam de três grandes “Ases” para modular, enganar e escapar (assim como no blefe do poker), de uma resposta antitumoral efetiva.

Citocinas, quimiocinas e infiltrado celular, presentes na grande maioria das respostas imunes, são também inteligentemente moduladas por células tumorais para, não só, escaparem, como também para amplificarem seu processo de progressão e metástase. O grande número de estudos publicados nos últimos anos indica uma forte tendência da Imunologia mundial, em entender e desvendar os mecanismos utilizados, não só por tumores, como também por bactérias, vírus e parasitas para se evadir do sistema imune. Aprender com esses mecanismos de escape, além de fornecer bases para intervenções terapêuticas, pode ao mesmo tempo indicar grande ganho na evolução integrada da Imunologia como, por exemplo, em sua utilização no tratamento de doenças auto-imunes ou em transplantes. Porém, sabemos que os tumores continuam ganhando muitas “rodadas de poker” e isso se deve, em parte, a escassez de modelos experimentais adequados e fidedignos e as limitações do uso de células humanas nos estudos in vitro. Paralelamente, vale ressaltar, os inúmeros mecanismos de escape presentes e ainda não descritos, resultantes da capciosa modulação dos “três Ases” para a própria iniciação, promoção e progressão tumoral.

A edição da Cancer Cell de abril desse ano trouxe quatro artigos e duas previews que se concentraram em detalhar novos aspectos da inflamação induzida por tumores atuantes no próprio desenvolvimento e progressão tumorais, considerando a ativação de STAT3 e a participação de IL-6 e CCL18 na manutenção do microambiente inflamatório pró-tumorigênico. Dois dos artigos demonstram em modelos animais que a ativação de STAT3 tem papel importante tanto para a iniciação como para a progressão do adenocarcinoma pancreático, um câncer que em humanos apresenta uma das menores taxas de sobrevida (± 5% em cinco anos).
Em um desses artigos, Akihisa Fukuda e colaboradores (Fig. 1A) utilizaram camundongos transgênicos para o alelo oncogênico Kras (desenvolvem neoplasia pancreática intra-epitelial com alta invasividade, induzida por ceruleína) onde a deficiência de STAT3 em células epiteliais, gerou uma significante redução da formação de neoplasias pancreáticas, manutenção do parênquima íntegro e uma significativa redução no número de metástases. De forma mais detalhada, os autores demonstraram que a produção autócrina de IL-6 e IL-11 pelos tumores modulariam a função de STAT3 que, por sua vez, controla a expressão da metaloproteinase-7 (MMP7). O estudo também correlaciona o aumento de MMP7 no soro de pacientes portadores de câncer de pâncreas com a presença de metástases, porém os mecanismos envolvidos ainda são pouco esclarecidos.

Adicionalmente, Marina Lesina e colaboradores (Fig. 1B) sugerem que células neoplásicas são capazes de recrutar células mielóides do sistema imune altamente produtoras de IL-6 e IL-6R solúvel, ativando, agora de modo parácrino, a via de STAT3. Sem desconsiderar os achados de Fukuda, Lesina sugeriu outra visão sobre os possíveis mecanismos de iniciação tumorigênica. O artigo descreve STAT3 como o mediador principal do programa de morte celular no modelo de neoplasia pancreática, principalmente por induzir um aumento da expressão de proteínas Bcl-XL, Mcl-1 e Survivina e conseqüentemente de genes indutores de proliferação permitindo assim a iniciação, promoção e progressão tumorais. Adicionalmente, a deleção dos dois alelos responsáveis pela expressão de SOCS3 induziu uma potente fosforilação de STAT3, amplificando assim a ativação de genes anti-apoptóticos e acelerando ainda mais a progressão tumoral. Tais dados observados em modelo murino também foram correlacionados pelos autores tanto aos altos níves de IL-6 no soro como ao perfil de ativação de STAT3 no tecido tumoral de pacientes portadores de câncer de pâncreas.

Em outro artigo, Douglas Stairs e co-autores (Fig. 1C) demonstraram que a capacidade de migração de células tumorais pode ser um fenômeno gerador de inflamação. A perda da expressão de catenina p120 e, por conseqüência, a desestabilização de E-caderina não se relacionam apenas à perda de adesão das células tumorais ao tecido e ao aumento da capacidade de metástase dessas, como já descrito, mas também a ativação das vias de NF-kB, AKT e STAT3 contribuindo para a tumorigênese através da inflamação. Células da cavidade oral após a perda induzida de catenina p120 progrediram para o desenvolvimento de câncer esofágico de células escamosas, e tais células apresentaram grande habilidade em secretar citocinas como GM-CSF, M-CSF, MCP-1 e TNF-α. Tal combinação resultou na formação de um microambiente pro-tumorigênico propício, principalmente, para o recrutamento de células mielóides imaturas (GR1+CD11b+) que, sabidamente, têm alta capacidade de suprimir respostas T antígeno-específicas in vitro. Esses dados foram correlacionados pelos autores com a detecção de mieloperoxidase em tecidos tumorais esofágicos de pacientes, indicando, de modo indireto, a perda de catenina p120 nessas células.

No mesmo contexto da inflamação induzida por tumores, outro estudo de Jingqi Chen e colaboradores (Fig. 1D) trouxe à tona outro papel atribuído aos macrófagos associados a tumores (TAMs). Sabendo que TAMs infiltrantes em modelos de carcinoma mamário são primariamente polarizados para um perfil M2, Chen mostra agora que tais macrófagos apresentam abundante expressão da quimiocina CCL18 no câncer de mama humano. Tal quimiocina possuía, até então, papéis contrastantes em pacientes portadores de outras neoplasias, no entanto, os autores mostram nesse estudo que CCL18 produzida por TAMs se liga especificamente ao receptor PITPNM3/Nir-1 (proteína de transferência da família fosfatidilinositol) na membrana de células tumorais de mama, e em células não tumorais transfectadas com o receptor, promovendo sua adesão a matriz extracelular, invasão tecidual e metástase.
Voltando ao nosso jogo de poker, vale ressaltar que mesmo a ausência de um dos “Áses” dessa complexa trinca tumoral, ainda resulta em um par de Ases relativamente forte dentro da rodada. Talvez os imunologistas e clínicos estejam jogando com as cartas marcadas ou, ainda, com o próprio baralho criado pelas células tumorais. Em linhas gerais, ou se troca o baralho ou se muda de jogo!
 Figura 1. Mecanismos de inflamação pró-tumorigênica mediados por IL-6, células mielóides imaturas, STAT3 e CCL18. (A) Fukuda et al., (2011). (B) Lesina et al., (2011). (C) Stairs et al., (2011). (D) Chen et al., (2011). Modificado de Li et al., (2011) e Bonecchi et al., (2011).
Referências
Fukuda A, et al., (2011) Stat3 and MMP7 contribute to pancreatic ductal adenocarcinoma initiation and progression. Cancer Cell 19(4):441-55.
Lesina M, et al., (2011) Stat3/Socs3 activation by IL-6 transsignaling promotes progression of pancreatic intraepithelial neoplasia and development of pancreatic cancer. Cancer Cell 19(4):456-69.
Stairs DB, et al., (2011) Deletion of p120-catenin results in a tumor microenvironment with inflammation and cancer that establishes it as a tumor suppressor gene. Cancer Cell 19(4):470-83.
Chen J, et al., (2011) CCL18 from tumor-associated macrophages promotes breast cancer metastasis via PITPNM3. Cancer Cell 19(4):541-55.
Li N, et al., (2011) The unholy trinity: inflammation, cytokines, and STAT3 shape the cancer microenvironment. Cancer Cell 19(4):429-31.
Bonecchi R, et al., (2011) Chemokines and cancer: a fatal attraction. Cancer Cell 19(4):434-5.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

A posível cura do câncer [2]

Inibição da produção de espécies reativas de oxigênio como efeito anti-neoplásico: Dectina-1 como alvo.


SBI - Sociedade Brasileira de Imunologia
Prof. Marcelo José Barbosa Silva

Mateus Silveira Freitas, aluno de Iniciação Científica.
Departamento de Imunologia da Universidade Federal de Uberlândia


A carcinogênese é um fenômeno causado pelo acúmulo de mutações de um grupo de células, acarretando na perda da regulação do seu ciclo celular. Um dos eventos importantes para o desenvolvimento de neoplasias esta relacionado com o estress oxidativo (TUDEK et al., 2006). Esse fenômeno pode causar modificações no DNA e proteínas que alterariam outros fatores relacionados com o controle do ciclo celular. Por exemplo, células normais quando submetidas a uma situação de hipóxia prolongada ou a hipoglicemia passam a produzir espécies reativas oxigênio (ROS). Essas células conseguem sobreviver nesse ambiente por causa do aumento da expressão de HIF-2α, causado pela perda de sua regulação negativa devido a inativação de proteínas envolvidas nesse processo.



Além disso, nessas mesmas células, o reparo do DNA é reprimido pela HIF-2α e elas continuamente acumulam danos no DNA devido a produção de ROS, levando ao processo de transformação maligna. A ativação do gene HIF-2α também está relacionada com o aumento da expressão dos oncogenes RAS e MYC. As ativações desses oncogenes promovem a biogênese mitocondrial, que vão produzir mais ROS, gerando um ciclo vicioso. (RALPH et al., 2010).



As células tumorais ainda são capazes de modificar seu microambiente de forma que ele se torne favorável a sua

sobrevivência. A produção excessiva de ROS causa estresse oxidativo em fibroblastos associados ao câncer. Esse estresse

oxidativo causa por sua vez a autofagia de mitocôndrias desses fibroblastos. Como conseqüência da perda de mitocôndrias,

os fibroblastos associados ao câncer passam a usar a via glicolítica e produzindo lactato e piruvato que são fonte de energia

para as células tumorais adjacentes. (MARTINEZ-OUTSCHOORN et al., 2010



Diante desse cenário, procurar por mecanismos que deflagrem a diminuição da produção de ROS poderia ser uma estratégia a ser estudada para diminuir a evolução de alguns tumores. Ou mesmo se conseguindo diminuir os níveis de ROS e como consequência a inativação de HIF-2α, talvez a maquinaria de reparo de DNA pudesse sinalizar a apoptose dessas células.



Podemos citar a Dectina-1 como um receptor responsável pela produção de ROS quando ativada, além de ser responsável pela fagocitose de patógenos de origem fúngica; respostas inflamatórias protetoras; a degranulação de neutrófilos; a produção de citocinas (IL-12, IL-6, TNF-α e IL-10) e de quimiocinas que vão recrutar e ativar outras vias da resposta imune. Esse receptor é uma proteína de 28kDa pertencente a superfamília de receptores lectínicos tipo C. Ela é um importante receptor de reconhecimento padrão (PRR) presente na superfície de vários tipos celulares como monócitos, macrófagos, neutrófilos e células dendríticas e é capaz de reconhecer β-Glucanos com ligações β-1,3 e β-1,6, provenientes de fungos, por exemplo (BROWN et al., 2007; MURPHY et al., 2010).



A Laminarina é um polissacarídeo com ligações β-1,3 extraído de algas marinhas que se mostrou ser eficiente na inibição da dectina-1, funcionando como antagonistas desse receptor. Em contrapartida, o Zymosan e Curdlan se mostram capazes de ativar tal receptor, funcionando como agonistas (BROWN et al., 2002; NERREN e KOGUT, 2009).



Um estudo feito com mastócitos derivados da medula óssea de camundongos C57BL/6 mostrou que a produção de ROS intracelular aumentou quando essas células foram incubadas com zymosan (100 µg/ml). O pré-tratamento dos mastócitos de camundongos normais com laminarina significativamente inibiu a produção de ROS (YANG e MARSHALL, 2009).



Outro estudo demonstrou que células mononucleares do sangue periférico de galinhas aumentam a produção de ROS após sua incubação com o Curdlan de aproximadamente de 1069,7%, quando comparado ao controle negativo. No entanto, o pré-tratamento dessas células com laminarina mostrou ser eficiente na inibição da produção de ROS (NERREN e KOGUT, 2009).



O tratamento usando a laminarina pode ser feito levando em consideração sua ação antagônica em relação à dectina-1 e sua conseqüente diminuição na produção de ROS. Já que o aparecimento de tumores tem, dentre outras causas, a produção excessiva de ROS, talvez a laminarina possa intervir de modo benéfico diminuindo a formação dessas espécies e protegendo a células de danos ao seu DNA. Ademais, não existem trabalhos na literatura que mostre os efeitos anti-tumorais da laminarina no contexto do bloqueio do receptor dectina-1 e diminuição da produção ROS.


A busca continua!!!